Evidentemente que as empresas comercializadoras de licenças de uso de software têm conhecimento do tema – não incidência do ICMS, mas, é de todo recomendável que elas tenham precaução contra atos da administração tributária federal e estadual, principalmente contra autos de infração já lavrados, ou que estejam sob ação fiscal em andamento.
Isso porque, conforme se verifica da Solução de Consulta Disit/SRRF 06 nº 6022/21, em que pese disciplinar o regime tributário para as empresas optantes pelo lucro presumido, avança na conceituação da natureza jurídica da comercialização de licenças de uso de softwares, mantendo uma suposta distinção entre os denominados softwares de prateleira daqueles desenvolvidos sob encomenda.
Dessa forma, entenda a situação inconstitucional e ilegalidade das disposições da recente Solução de Consulta Disit/SRRF06 nº 6022/21.
A Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta Disit/SRRF06 nº 6022, de 21 de julho de 2021, manifestando o entendimento de que o desenvolvimento e edição de software pronto para uso constitui venda de mercadoria. Assim, dispôs que os percentuais para a determinação da base de cálculo do IRPJ e de CSLL são, respectivamente, de 8% (oito por cento) e 12% (doze por cento) sobre a receita bruta.
No caso em que o desenvolvimento de software se dá por encomenda, a orientação do órgão é de que a receita advinda da operação se classifica como prestação de serviço e, na hipótese, o percentual para determinação da base de cálculo, tanto do IRPJ quanto da CSLL corresponde a 32% (trinta e dois por cento) sobre a receita bruta.
É importante ressalvar que a consulta se limitou à análise de empresa que está no regime do lucro presumido, porém, independentemente do regime de tributação, seja lucro real ou presumido, as operações envolvendo software caracterizam prestação de serviço e não venda de mercadoria.
O referido posicionamento exarado pela Receita Federal do Brasil é totalmente contrário ao que decidiu o STF no julgamento da ADI 1.945/MT, onde restou definido, por maioria de votos, que o tributo que deve incidir sobre as operações envolvendo a comercialização de software (no caso licenciamento e a cessão de direito de uso de softwares) é o Imposto Sobre Serviços (ISS), descartando, assim, a ocorrência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a ocorrência de venda de mercadoria nessas operações.
A ADI 1.945/MT, protocolada pelo MDB, questionava a legislação do Estado do Mato Grosso, a qual previa a tributação pelo ICMS nas operações envolvendo softwares.
Já a ADI 5.659/MG, proposta pela Confederação Nacional de Serviços (CNS), contestava um decreto do Estado de Minas Gerais, que também estipulava que as vendas de programas de computador fossem objeto de incidência do imposto estadual, confira-se a ementa:
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Lei nº 6.763/75-MG e Lei Complementar Federal nº 87/96. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). Distinção entre software sob encomenda ou padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer. Insuficiência. Modulação dos efeitos da decisão. 1. A tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades. Diversos precedentes da Corte têm superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar, notadamente nos contratos tidos por complexos (v.g. leasing financeiro, contratos de franquia). 2. A Corte tem tradicionalmente resolvido as indefinições entre ISS e do ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar. 3. O legislador complementar, amparado especialmente nos arts. 146, I, e 156, III, da Constituição Federal, buscou dirimir conflitos de competência em matéria tributária envolvendo softwares. E o fez não se valendo daquele critério que a Corte vinha adotando. Ele elencou, no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à LC nº 116/03, o licenciamento e a cessão de direito de uso de programas de computação. É certo, ademais, que, conforme a Lei nº 9.609/98, o uso de programa de computador no País é objeto de contrato de licença. 4. Associa-se a esse critério objetivo a noção de que software é produto do engenho humano, é criação intelectual. Ou seja, faz-se imprescindível a existência de esforço humano direcionado para a construção de um programa de computador (obrigação de fazer […] (grifamos)
No mesmo sentido, a decisão contida na ADI 5576, restando claro que o entendimento manifestado pela Receita Federal se opõe ao julgado do Supremo Tribunal Federal e à previsão legal da Lei Complementar 116/03 (disciplina o ISS em âmbito nacional) a qual estabelece que o tributo incidente nas operações envolvendo as transações com software, inclusive o desenvolvimento e a edição dos programas, deve ser o ISS.
Nos julgamentos das ações citadas, as leis estaduais foram declaradas inconstitucionais, vez que, se permitida a cobrança do ICMS, ocorreria bitributação.
Com isso, a Corte, por maioria, decidiu que as vendas de softwares – padronizados, customizados ou por encomenda – ficam sujeitas ao imposto municipal, sendo, portanto, irrelevante a distinção encampada pela Receita Federal trazida na referida Solução de Consulta e independentemente do regime de tributação envolvido.
Assim, o objetivo destes comentários é alertar as empresas para enfrentarem adequadamente a posição da Receita Federal, em prol da segurança jurídica de seus negócios.