Na pauta estão ações sobre vínculo de emprego com aplicativos e fraude em terceirização
A existência ou não de vínculo de emprego entre trabalhadores e aplicativos e de fraude em casos de terceirização são dois importantes temas trabalhistas que podem ser definidos neste ano pelos tribunais superiores. A primeira questão está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). A outra, que acabou gerando uma enxurrada de reclamações ao STF, está nas mãos dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
São temas polêmicos, que dividem o Judiciário. Na discussão sobre vínculo de emprego com aplicativos, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, chamaram a atenção decisões de turmas do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), dadas na primeira semana de dezembro, em sentidos opostos.
A 14ª Turma reconheceu vínculo de emprego entre o iFood e todos os trabalhadores que prestam serviço para a plataforma, condenando a empresa a pagar indenização de R$ 10 milhões, e mais R$ 5 mil de multa por infração registrada (processo nº 1000100-78.2019.5.02.0037). Dois dias antes, a 3ª Turma havia entendido que não haveria subordinação entre motoristas e o aplicativo 99 (processo nº 1001384- 45.2021.5.02. 0072). As duas decisões foram dadas em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) com caráter nacional.
As decisões reforçam a necessidade de um entendimento definitivo sobre o assunto, responsabilidade que deve caber ao STF. Segundo advogados, “é importante que se tenha uma definição sobre a existência ou não de vínculo de emprego em relações envolvendo as plataformas digitais para se evitar decisões dissonantes sobre o mesmo tema, o que traz insegurança jurídica para as empresas envolvidas e desmotiva o investimento externo no país”.
O ministro Edson Fachin é relator de um processo com repercussão geral (RE 1446336) que vai analisar se existe vínculo de emprego entre motoristas e aplicativos de transporte – o entendimento não valeria para entregadores. Em dezembro, ele convocou uma audiência pública para ouvir mais de 50 especialistas a respeito do assunto. Ainda não há data para julgamento.
Para o professor Guilherme Guimarães Feliciano, da Universidade de São Paulo (USP), ao pautar a discussão nesses termos, criou-se uma armadilha, pois é mais provável que o STF diga que nunca existe vínculo. “Se disser que não tem, o juiz não vai mais poder decidir no caso concreto”, diz ele, acrescentando que o ideal seria indicar que “há a possibilidade de vínculo”.
Outro tema opõe entendimentos da Justiça do Trabalho e dos ministros do Supremo: se há vínculo de emprego em casos de terceirização. A polêmica começou depois de o STF, em 2018, reconhecer a legalidade da terceirização das atividades fim das empresas.
Na Justiça do Trabalho, os magistrados têm normalmente descaracterizado terceirizações de atividades e reconhecido o vínculo de emprego a trabalhadores. Porém, no Supremo, os ministros vêm derrubando as decisões trabalhistas por meio de reclamações apresentadas por empresas – recurso usado para denunciar o descumprimento da jurisprudência do STF por outros tribunais.
Esse movimento levou o ministro Flávio Dino a sugerir, em julgamento na 1ª Turma, que o Supremo “revisite” o julgamento que permitiu a terceirização da atividade-fim no país. De acordo com ele, há uma confusão entre a “pejotização e a terceirização”, o que está gerando precarização dos trabalhadores brasileiros. A questão, por ora, só está na pauta do TST, por meio de recursos repetitivos (temas 29 e 30). Não há data marcada para o julgamento
Outra questão que está no radar dos especialistas é a fixação de critérios para concessão da gratuidade de justiça no âmbito trabalhista. Em dezembro, o TST fixou tese no sentido de que, mesmo após a edição da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), basta uma declaração de hipossuficiência da parte para que o juiz possa livrá-la do pagamento das custas do processo. Caberá à empresa provar que o trabalhador tem recursos para arcar com as despesas, se for o caso (RREmbRep-277- 83.2020.5.09.0084).
O assunto ainda vai ser analisado pelo STF, na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 80. No processo, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) pede que a Corte valide a previsão da reforma de que só têm direito à gratuidade trabalhadores que recebam até 40% do teto dos benefícios da Previdência Social – hoje, esse valor corresponderia a R$ 3.262,96.
Segundo advogados, a decisão do TST de usar os índices determinados pelo Código Civil para correção dos débitos trabalhistas – a partir da citação, o IPCA – também vai ter desdobramentos neste ano. “Pela nossa apuração preliminar, poderia impactar o caixa das empresas. Pelos modelos de cálculo feitos até agora, não haveria risco de mudança em prejuízo do trabalhador, mas, a depender da flutuação dos indicadores, tornariam a correção mais gravosa para o devedor.”
O Tema 26 dos repetitivos do TST, por sua vez, vai abordar a possibilidade de a Justiça do Trabalho julgar incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de empresas em recuperação judicial. Hoje, a competência trabalhista vai até a decisão sobre reconhecimento ou não do crédito do trabalhador. Depois dessa fase, o processo é encaminhado ao juízo da recuperação.
O TST vai analisar se a Justiça do Trabalho pode aplicar o IDPJ e então tentar executar o crédito contra os sócios da empresa (RR-244 62-27.2023.5.24.0000 e RR-761- 72.2022.5.06.0000).
No STF, os ministros ainda devem analisar a possibilidade de inclusão de empresa integrante de grupo econômico no polo passivo de processo trabalhista em fase de execução. O relator, ministro Dias Toffoli, votou para permitir a inclusão, “desde que devidamente justificada a pretensão em prévio incidente de desconsideração da pessoa jurídica”. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Gilmar Mendes. O ministro Cristiano Zanin pediu destaque, e agora o caso será julgado em sessão presencial, no dia 12 de fevereiro (RE 1387795).
Fonte: Valor Econômico