Até então isentas, operações realizadas sob a instrução 476 deverão pagar tributos à CVM
As taxas de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passaram a incidir sobre as ofertas públicas com esforços restritos, realizadas por meio da instrução 476, até então isentas de cobrança. As mudanças começaram a valer a partir de 3 de janeiro, com base na Medida Provisória 1.072, que alterou os valores cobrados pela autarquia. O valor a ser pago é de 0,03% sobre cada operação. A regra vale, inclusive, para ofertas iniciadas em 2021 e que serão encerradas este ano.
As ofertas 476 são dispensadas de registro no regulador e se popularizaram por serem mais rápidas e mais baratas para o mercado. Esta modalidade só pode ser oferecida para até 75 investidores e efetivamente distribuída para 50 deles – todos devem ser enquadrados como investidores profissionais. Em 2021, foram iniciadas mais de 4 mil ofertas 476 no montante de quase R$ 2 trilhões, segundo enviado à CVM pelos ofertantes. A maioria refere-se a cotas de investimentos de fundos fechados, como fundos imobiliários, fundos de investimentos em participações (FIPs) e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). E, além das ofertas de ações, incluem, por exemplo, debêntures, certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA).
Com as alterações previstas na MP, as taxas das ofertas realizadas por meio da instrução 400, que têm registro e são voltadas para o público em geral, foram reduzidas e equiparadas às das ofertas 476, de 0,03% do valor de cada operação. Antes, variavam conforme o porte da oferta, e correspondiam a até 0,64% do total da emissão. “As ofertas 476 respondem pela maioria das captações e justamente por conta dessa magnitude a CVM teve que criar uma rotina de fiscalização. A equiparação [com o valor a ser pago pelas ofertas 400] faz sentido do ponto de vista lógico, muito embora seja sempre ruim aumentar ainda mais a carga tributária dos participantes do mercado” afirma Pablo Renteria, ex-diretor da autarquia.
No fim do ano passado, o mercado se surpreendeu com a determinação da CVM de que as taxas deveriam ser recolhidas a partir de janeiro, mesmo para as ofertas que estivessem em andamento desde 2021. “Quando a oferta foi aberta, ninguém sabia dessa despesa, e ela não foi projetada. Houve uma grande movimentação de distribuidores, em dezembro, para encerrar as ofertas até o fim do mês”, diz a advogada da Vórtx, Ariane Verrone.
“Do ponto de vista prático não vemos a cobrança de taxa como fator de redução de apetite das empresas em executar uma oferta de ações 476. Os benefícios da 476, especialmente para ‘follow-ons’, são muito maiores que uma eventual discussão de taxa. A 476, por exemplo, viabiliza uma oferta de ações em um cronograma menor que a instrução 400, diminuindo assim os riscos de exposição de mercado em um ambiente de alta volatilidade como o atual”, afirma Samy Podlubny, responsável pela área de emissão de dívida local e internacional do UBS BB.
Dentro de alguns meses, as instruções 400 e 476 deixarão de existir para serem substituídas por um novo marco regulatório de ofertas públicas. Uma audiência pública sobre o assunto já foi concluída e a nova norma deve ser lançada neste semestre. Pela proposta, em vez de as ofertas serem divididas entre “registradas” ou “dispensadas”, todas teriam registro no regulador. O que muda é que em alguns casos o registro será automático, especialmente se a oferta for direcionada a investidores mais sofisticados e se as empresas já forem, por exemplo, emissores frequentes.
De alguma forma, com a mudança, a expectativa já era que a aplicação de taxas acabaria acontecendo.
Toda a arrecadação da autarquia é destinada ao Tesouro. Para 2022, o governo havia apresentado uma proposta de orçamento em linha com o do ano passado para a autarquia. No entanto, o Congresso Nacional reduziu em 50% os valores propostos para o Ministério da Economia e órgãos vinculados, como a CVM. O tema ainda aguarda sanção presidencial.
Parte dos advogados ouvidos pelo Valor considera que o mercado pode se adaptar e buscar novos arranjos, como ofertas privadas. O tema é complexo juridicamente e há situações em que o regulador entende a emissão como tal.
Fonte: Valor Econômico