O uso de recursos financeiros de depósitos judiciais e administrativos pelo Poder Executivo não é novidade. A Lei 9.703/1998, por exemplo, autoriza a União a usar os depósitos judiciais e extrajudiciais relativos a tributos e contribuições federais, até que venha decisão desfavorável ao erário. Tal norma já foi validada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010 (ADI 1.933).
Com esse entendimento, e por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve dispositivos de norma federal que trata da utilização de depósitos judiciais e administrativos para o pagamento de precatórios dos estados, do Distrito Federal e dos munícipios. A decisão foi tomada na sessão virtual finalizada em 20/11, no julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).
Em uma delas, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) alegava que a lei complementar viola o devido processo legal e o princípio da separação dos Poderes, além de criar um empréstimo compulsório fora das hipóteses constitucionais — já que a ordem judicial de levantamento do depósito precisa ser cumprida de forma imediata.
Na outra ADI, o Conselho Federal da OAB argumentava que a transferência dos valores de depósitos judiciais para os Tesouros de estados e municípios viola a competência dos Tribunais de Justiça para pagamento de precatórios. Segundo a autora, tais quantias não podem ser repassadas para os cofres dos entes federativos, mas apenas para as contas especiais de quitação de obrigações públicas administradas pelos TJs.
Fundamentos
Kassio Nunes Marques, relator do caso ressaltou que, conforme a norma, o ente federativo não pode usar valores de quaisquer depósitos, mas somente daqueles feitos em processos judiciais ou administrativos em que o estado ou município seja parte. Além disso, não pode usar todo o saldo — há um teto de 70%.
Segundo o magistrado, parte dos valores dos depósitos “deverá mesmo ser reconhecida como pertencente ao ente estatal”, já que haverá ganho de causa em muitos dos processos.
“A indisponibilidade temporária, por si só, nem de longe representa a perda da propriedade do valor depositado”, apontou Kassio. O depositante fica sem a quantia por certo tempo, até que vença o litígio contra o Estado e a receba de volta. Assim, ele já não tem o montante à sua disposição mesmo antes do ente federativo usá-lo. Ou seja, quando 70% do total é transferido para os cofres estatais, “nada se altera sob a ótica do depositante”.
O relator também não verificou qualquer semelhança com um empréstimo compulsório, já que o depósito é feito de modo espontâneo. “Quando a parte opta por realizá-lo, o faz para assim obter os resultados práticos estipulados na norma processual, como o afastamento da possibilidade de constrição patrimonial, por exemplo”, explicou.
De acordo com o magistrado, não há confisco. O temor pela má administração do fundo de reserva de 30% “não retrata qualquer razão jurídica”, pois não se pode invalidar uma norma “apenas pelo receio de que um dia venha a ter a aplicação desvirtuada”.
O ministro lembrou que os recursos em depósito judicial não pertencem ao Judiciário e não podem ser usados livremente por ele. Assim, ao permitir que os entes estatais usem esses valores, “a lei complementar nada faz em detrimento do Poder Judiciário”.
A partir da LC 151/2015, as instituições financeiras tiveram de repassar parte do montante em depósito aos entes estatais, o que reduziu o volume de recursos disponíveis para empréstimo no mercado financeiro. Segundo Kassio, “o depositante não perde nada”: o dinheiro será corrigido pela taxa Selic tanto pelo banco quanto pelo ente federativo.
Por outro lado, o Judiciário permanece com a mesma autonomia e independência, “sendo dele a palavra final a respeito do destino do valor depositado” (ao Estado ou à parte contrária). Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.
ADI 5.361
ADI 5.463
Fonte: CONJUR