Uma fabricante de cimento obteve liminar na Justiça para recolher com alíquota reduzida pela metade o Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributo exigido sobre o transporte marítimo internacional. É o primeiro precedente sobre a disputa que nasceu na virada do ano, no contexto da troca de governo.
A discussão jurídica é bastante semelhante à da derrubada das alíquotas reduzidas do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras, que também tem levado contribuintes ao Judiciário.
A dois dias do fim do governo de Jair Bolsonaro, no dia 30 de dezembro, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, editou o Decreto nº 11.321, que reduzia a carga tributária nas importações. Foi concedida redução de 50% no AFRMM a partir de 1ª de janeiro de 2023. No dia 2, no entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou a medida por meio do Decreto nº 11.374.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, as reduções das alíquotas do AFMM e do PIS/Cofins sobre operações financeiras representam mais de R$ 10 bilhões em perdas de receita. Trata-se de uma herança do antigo governo com a qual a nova gestão terá que lidar agora nos tribunais.
O Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante é um tributo exigido sobre o valor do transporte marítimo internacional e incide no momento do descarregamento da mercadoria no porto. A alíquota exigida é de 8% para a importação, de acordo com a Lei nº 10.893, de 2004. Mas chega a 40% em navegação fluvial, quando há transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste do país.
Em decisão proferida, o juiz José Joaquim de Oliveira Ramos, da 35ª Vara Federal de Pernambuco, reconheceu o direito da cimenteira a recolher o adicional de frete com desconto. A empresa importa clínquer, insumo necessário à fabricação do cimento. Obteve a liminar a tempo da chegada de um carregamento no Porto de Suape.
O magistrado entendeu que ao AFRM aplicam-se ambas as anterioridades: a anual e a nonagesimal. Por isso, diz na decisão, a revogação do Decreto nº 11.321/2022 – e o consequente restabelecimento das alíquotas originais – apenas poderia produzir efeitos a partir de janeiro de 2024. Cabe recurso (processo nº 0800042-27.2023.4.05.8312).
Existe garantia da anterioridade anual, de acordo com ele, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o AFRMM é uma espécie de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Esse tipo de tributo, acrescenta o juiz, entra na regra geral do artigo 150 da Constituição, que veda a criação ou majoração de tributos no mesmo exercício financeiro e antes de 90 dias da publicação da lei.
Como a redução pela metade alíquotas do AFRMM foi derrubada pelo novo governo, apenas por meio de liminares concedidas pela Justiça o contribuinte tem chance de recolher o tributo com o benefício instituído pela gestão anterior.
Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz ter ciência da decisão e “atuará nos autos para a reversão da liminar proferida”.
Fonte: Valor Econômico