ÁREA ECONOMIA, NEGÓCIOS E O DIREITO – REFLEXOS E IMPACTOS
TRIBUTAÇÃO DAS TRANSAÇÕES DIGITAIS:
UMA ANÁLISE ABRANGENTE E PREOCUPANTE
De há muito vimos alertando e comentando o aumento da carga tributária no Brasil. Tudo para cobrir o rombo nas contas públicas e o consequente aumento do déficit público.
A seguir, algumas informações sobre o déficit público brasileiro atual.
- Em 2023, o governo brasileiro fechou as contas com um déficit histórico de R$ 230 bilhões (…) Esse é o pior resultado desde 2020, ano em que começou a pandemia de Covid (JORNAL NACIONAL, 2024)[1].
- O resultado primário do setor público consolidado foi superavitário em R$1,2 bilhão em março [de 2024], ante déficit de R$14,2 bilhões no mesmo mês de 2023 (…) Em doze meses, o setor público consolidado acumula déficit de R$252,9 bilhões, equivalente a 2,29% do PIB (…)[2].
- A dívida do setor público consolidado registrou alta de 0,4 ponto percentual do PIB, passando de 75,1% do PIB, em janeiro de 2024, para 75,5% do PIB em fevereiro – o equivalente a R$ 8,3 trilhões[3].
Notem que esses números são os mais recentes disponíveis e já podem ter mudado. Para obter informações mais atualizadas, recomendo verificar os sites oficiais do governo ou instituições financeiras.
Ademais, temos que:
- O governo brasileiro está buscando soluções para reverter o cenário de déficit em 2024 (JORNAL NACIONAL, 2024).
- O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê déficits até pelo menos 2024, totalizando 11 anos seguidos de resultados negativos. O texto projeta um déficit de R$ 27,89 bilhões em 2024 e um superávit primário de R$ 33,7 bilhões em 2025[1].
- (…) o mercado e o próprio Ministério da Fazenda projetam a elevação da relação dívida pública e PIB nos próximos anos. A fim de alcançar o ajuste, o governo indicou em seu novo marco fiscal planos de zerar o déficit primário em 2024 e alcançar superávits nos anos subsequentes[2].
Conforme sustentou Mansueto Almeida, em matéria publicada por Bloomberg Línea[3], “a mudança na meta de superávit em 2025 deixou no mercado a percepção de que o governo ‘jogou a toalha’ sobre o ajuste fiscal”.
Feita a contextualização, retomamos o tema em discussão. Depois de vários aumentos da carga tributária, veiculados no final de 2023 e começo de 2024, agora, surge a taxação das transações realizadas através dos meios digitais – PIX, DREX e criptomoedas.
Anteriormente muitos criticavam o chamado “manicômio tributário” em função da quantidade de leis e regulamentos. Agora estamos diante do manicômio judiciário, que confronta com a segurança jurídica dos contribuintes, e do manicômio de tributos criados pelo atual governo.
Receita Federal se ‘une’ com Banco Central e vai usar Pix e Drex para cobrar imposto direto em todas as transações digitais
Além de imposto de 22,5% para operações com Bitcoin e criptomoedas no Brasil, A Receita Federal junto com o Banco Central estão trabalhando um novo sistema de cobrança de impostos em todas as transações digitais.
A Receita Federal, junto com o Banco Central e o Ministério da Fazenda, estão trabalhando um novo sistema para melhorar a arrecadação de impostos que será implementado diretamente em todas as transações digitais.
Segundo informações, a proposta fará parte da reforma tributária de consumo, aprovado pela Emenda Constitucional 132/2023, sendo que o projeto de lei complementar foi entregue recentemente pelo Poder Executivo. Ela unifica o ICMS e o ISS no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), e prevê que os impostos das transações digitais sejam passados ao Governo usando diretamente o Pix (e depois o Drex) na hora da transação.
“Estive no Banco Central conversando com o pessoal. O Pix e o Drex já estão sendo programados pensando nisso”, disse o diretor da Secretaria da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Daniel Loria.
Além da proposta de cobrar o ‘imposto direto na fonte’ nas transações digitais, o governo brasileiro pretende implementar mudanças significativas na tributação das criptomoedas. A nova proposta do governo visa combater a evasão fiscal e garantir maior transparência nas operações envolvendo ativos digitais.
Para tanto, o governo pretende aumentar as taxas para os usuários que possuem criptoativos, como Bitcoin, Ethereum e outras moedas digitais em exchanges no Brasil. A ideia é “fechar o cerco” contra aqueles que utilizam criptomoedas para driblar o pagamento de Imposto de Renda (IR).
Existem vários países que tributam transações digitais, segundo Martello (2020), incluindo transações financeiras e pagamentos eletrônicos. Aqui estão eles:
- Argentina: tributo sobre transações tanto em crédito (entrada do dinheiro na conta) quanto débito (saída), com validade até dezembro de 2022.
- Bolívia: tributo sobre transações tanto em crédito quanto débito, com validade até dezembro de 2023.
- Peru: tributo sobre transações tanto em crédito quanto débito, com validade até dezembro de 2021.
- Colômbia: tributo sobre transações, mas somente no débito.
- Honduras: tributo sobre transações, mas somente no débito.
- República Dominicana: tributo sobre transações, mas somente no débito.
- Venezuela: tributo sobre transações, mas somente no débito.
- Hungria: tributo sobre transações, mas somente no débito.
- México: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização.
- Paquistão: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização.
- Sri Lanka: tributo sobre saques em dinheiro, para induzir bancarização.
Para não tomar muito o tempo dos leitores e evitar inovações indevidas, vale a pena reproduzir as considerações do Prof. Isaías Coelho, quando da discussão sobre a criação da CPMF, encontradas no mesmo artigo de Martello (2020).
CPMF
Para o professor Isaías Coelho, autor do levantamento sobre tributo sobre transações financeiras nos países, a proposta de restaurar um tributo parecido com a antiga CPMF é “difícil de entender”. Para ele, esse seria um tributo “da pior qualidade, pior do que qualquer outro imposto existente no Brasil”.
- Muitos encerraram os estabelecimentos físicos e passaram a operar vendas online.
- Aumento dos custos dos negócios: Os custos dos negócios aumentariam em um momento de crise, quando já está difícil equilibrar a balança das receitas e despesas.
- Evasão fiscal: A criação desse imposto pode aumentar a evasão fiscal, favorecer o uso de dinheiro em espécie e, consequentemente, operações ilegais.
- Benefício para grandes companhias: As grandes companhias que trabalham com vendas online seriam as beneficiadas, porque os clientes teriam menos opções e acabarão recorrendo a elas quando desejarem comprar algum item.
E quais seriam as alternativas para aumentar a receita do governo sem tributar transações digitais?
Existem várias alternativas para aumentar a receita do governo sem a necessidade de tributar transações digitais. Aqui estão algumas delas (MAGNANI, 2024):
- Eficiência operacional: A automação de processos repetitivos e rotineiros na administração fiscal pode reduzir a carga de trabalho manual, diminuir erros e acelerar o processamento de declarações e pagamentos. A integração de sistemas fiscais permite uma gestão mais eficiente das informações, evitando a duplicação de esforços e facilitando a troca de dados entre diferentes departamentos e agências governamentais. A digitalização de documentos facilita o acesso do cidadão que precisa pagar seus impostos.
- Ampliação da base tributária: Simplificar o processo de registro de novos contribuintes e a declaração de impostos encoraja a formalização de empresas e indivíduos, ampliando a base tributária. A integração com aplicativos de venda de produtos e serviços pode aumentar a formalização e o número de CNPJs rastreáveis. A integração com aplicativos de venda de produtos e serviços pode aumentar a formalização e o número de CNPJs rastreáveis.
- Transparência e segurança dos dados: O governo pode fortalecer a relação com os contribuintes através de uma maior transparência e interação eficiente. Isso pode ser alcançado através do gerenciamento eficiente de recursos e governança.
- Uso de tecnologia para arrecadação (TERRA BRASIL NOTÍCIAS, 2024)[1]: A Receita Federal está desenvolvendo um novo sistema de cobrança de impostos em todas as transações digitais, que será integrado diretamente em todas as transações digitais. Este novo sistema visa melhorar a arrecadação de impostos.
Com essa ideia de tributação, surge uma das questões principais para o debate: Qual o critério de adequação da carga tributária com a aplicação dos recursos em serviços e benefícios para a sociedade em geral, como saúde, transporte, segurança pública, dentre outros?
Sabemos que o critério de adequação da carga tributária com a aplicação dos recursos em serviços e benefícios para a sociedade em geral é um tema complexo e envolve vários princípios e considerações. Aqui estão alguns pontos importantes, segundo Hack (2014):
1. Princípio da Capacidade Contributiva: Este princípio determina que o ônus do tributo seja distribuído de acordo com a capacidade de contribuir de cada sujeito, evitando que a tributação seja igual em valor. Ou seja, a tributação igualitária de hoje é aquela em que cada cidadão paga de acordo com a sua capacidade
2. Preservação do Mínimo Existencial: Este princípio evita a tributação quando a capacidade contributiva está ausente. Ou seja, as pessoas devem ter garantido o mínimo para a sua subsistência antes de serem tributadas.
3. Vedação ao Confisco: Este princípio proíbe a incidência tributária excessiva que esgote a capacidade contributiva. Isso significa que os impostos não podem ser tão altos a ponto de confiscar a propriedade ou renda do contribuinte.
4.Critérios de Distribuição da Carga Tributária: Existem dois critérios para a distribuição da carga tributária: a proporcionalidade e a seletividade. A proporcionalidade é aplicável aos tributos incidentes sobre renda e patrimônio, enquanto a seletividade é aplicável aos tributos incidentes sobre o consumo.
5.Aplicação dos Recursos: A receita tributária deve ser suficiente para atender à necessidade de recursos adequados para financiar as despesas e serviços públicos previstos nos orçamentos dos entes públicos. Isso significa que os impostos coletados devem ser usados para fornecer serviços e benefícios para a sociedade em geral
Seguem algumas informações sobre a carga tributária e o retorno de benefícios para a sociedade como saúde, transporte, segurança pública e outros serviços públicos:
- A carga tributária no Brasil é uma das mais altas do mundo. Em 2021, a Receita Federal[2] divulgou um estudo sobre a carga tributária no país.
- No entanto, o Brasil tem o pior retorno de impostos à sociedade entre os 30 países com a maior carga tributária, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) (COMUNICAÇÃO MILLENIUM)[3]. O estudo considerou a carga tributária de cada país (arrecadação em relação ao PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o grau de desenvolvimento em relação à educação, saúde e renda em determinada região
- O estudo considerou a carga tributária de cada país (arrecadação em relação ao PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o grau de desenvolvimento em relação à educação, saúde e renda em determinada região.
- O estudo desenvolveu um índice chamado IRBES (Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade), que é o somatório do valor numérico relativo à carga tributária do país, com uma ponderação de 15%, com o valor do IDH, que recebeu uma ponderação de 85%. Quanto maior o valor do índice, melhor é o retorno da arrecadação dos tributos para a população.
- De acordo com o estudo, o Brasil possui o IRBES de 139,19, enquanto o país que aparece como primeiro colocado, a Irlanda, tem o índice de 169,43.
- O Brasil tem uma carga tributária de 35,21% e IDH de 0,761, de acordo com levantamento do IBPT.
- O Observatório de Política Fiscal divulgou novos valores para a carga tributária bruta (CTB) para 2023. A CTB em 2023 atingiu 32,44% do PIB tendo ocorrido uma queda em relação a 2023 de 0,64 p.p. do PIB quando a CTB atingiu o valor de 33,07% do PIB, maior nível desde 2011. O valor mais elevado da série histórica continua sendo 2007, quando a CTB atingiu 33,64% do PIB.
Melhor parar por aqui, pois a nossa contribuição para os debates já está colocada.
De qualquer forma, preparem-se para continuar a enfrentar o manicômio tributário.